Psicossomática: um breve relato

Psicossomática: um breve relato

Bruno Quintino de Oliveira
*Graduando de Psicologia, 10° período - UFF/Rio das Ostras; Discente-pesquisador integrante da pesquisa intitulada Limites psíquicos e relações objetais primárias, Dept° Psicologia – UFF/ Rio das Ostras, CNPQ.

A questão sobre a psicossomática jaz de um passado longínquo onde filósofos como Platão e Aristóteles já compreendiam que os distúrbios da mente, quando são travados de se expressarem por um contexto que rodeia o indivíduo, acabam-lhe acometendo, sobretudo, o seu corpo. O termo “Psicossomático” entretanto é recente, sendo promulgado pela escola de Chicago no século XX.
            Na perspectiva psicanalítica, o conflito psíquico é constitutivo do ser humano, ocorrendo

                          [...] quando, no indivíduo, se opõe exigências internas contraditórias. O conflito pode ser manifesto (entre um desejo e uma exigência moral, por exemplo, ou entre dois sentimentos contraditórios) ou latente, podendo este exprimir-se de forma deformada no conflito manifesto e traduzir-se designadamente pela formação de sintomas, desordens do comportamento, perturbações do caráter perturbações do caráter, etc. (LAPLANCHE; PONTALIS, 1988, p. 131).

            Nesse sentido, cabe ao analista sustentar sua teoria frente a esse transbordamento de sensações, angústias e desespero que acomentem o sujeito somatizante no setting terapêutico contemporâneo.
            Cito Joyce McDougall a fim de explicitar, psicanaliticamente, como a psicossomática é denotada:

                         [...]Assim, podemos dizer que os sintomas psicossomáticos constituem uma forma primitiva de comunicação, uma linguagem arcaica, decodificada primeiramente pela mãe na mais tenra infância. Pode ser mesmo que se trate de uma protolinguagem que, muito cedo na história filogenética do homem, assim como em sua ontologia, estava destinada a comunicar alguma coisa ao ambiente. A partir do momento em que essa comunicação supõe um "Outro", apto a captar essa mensagem, temos o direito de falar de "linguagem". (MCDOUGALL, 1994, p.79).

            É através da linguagem, fonte inesgotável de potencialidade e ressignificação subjetiva que essa doença passa a ser simbolizada, não se prendendo ao processo de somatização.
            É importante frisar que a psicossomática não se explica unicamente pela visão psicanalítica. Na contemporaneidade, a psicossomática passa a ser contextualizada com o contexto sócio-histórico e cultural que norteiam as coordenadas subjetivas de cada pessoa. Essa visão plural facilita com que o indivíduo possa ser compreendido com uma realidade psíquica singular, com relações e vivências objetais ímpares.

            Como dito anteriormente, a psicossomática emerge a partir de conflitos psicológicos de causas múltiplas em cada pessoa. Esses pacientes, na maioria das vezes, buscam uma taxonomia orgânica pelo modelo biomédico a fim de confirmarem seus padeceres subjetivos. O que eles esquecem, é que esse sofrimento está no plano subjetivo e não no objetivo, como nos exames.

            Vivemos em um mundo cada vez mais imediatista onde o estresse acaba ocasionando mais doenças psicossomáticas, seja advindo da relação organizacional do trabalho onde o sujeito se sente pequeno diante de inúmeras demandas ou até mesmo em estudantes universitários, aflitos com o futuro mercado de trabalho altamente competitivo.

            Esse estresse além de ocasionar, fisiologicamente, uma alta carga de cortisol, acaba também afetando nossa relação com o meio que nos circunda. Ou seja, o indivíduo passa responder num ciclo vicioso a esses estímulos estressantes advindos do exterior, limitando-se, muitas vezes a viver envolto a isso. As psicodermatoses (urticária, psoríase, vitiligo) são circunstâncias clínicas que podem aparecer nesse contexto como um grito do corpo, em resposta a esse tensionamento mental. O indivíduo começa a expressar mais uma vez essa tensão no corpo. Novamente, o espaço terapêutico se faz um vetor necessário.

            A terapia faz uma importante ponte para ligar esse sofrimento desorganizado mentalmente do paciente a um discurso mais elaborativo, no que tange a uma melhor compreensão do sofrimento, tornando-o mais suportável.

            No contexto hospitalar, esses pacientes são por vezes considerados pela equipe de saúde como "pacientes pitis", visto que esses sintomas muitas vezes não se localizam especificamente em um órgão. Caberá ao psicólogo estar atento quanto a isso, observando entendendo o adoecimento como plural e não unicamente orgânico.

                         [...] Parece faltar uma compreensão mais dinâmica do homem como ser biopsicossocial, pois tanto o adoecer psíquico quanto o somático não são acontecimentos isolados na vida da pessoa e sua causalidade nem sempre é única e fácil de determinar na extenão e implicações dos elementos envolvidos na complexidade da relação mente-corpo. (COSTA, 2011, p.79).

            Dar voz ao paciente, tentando na medida do possível fazer com que o discurso do somatizante seja acolhido numa escuta continente, é um fator importante para dar sentido àquilo que antes transbordava no corpo. Agora, o transbordamento pode ser na linguagem, esvaziando os terrores inomináveis. Tornar um nó de sentimentos em um laço, já é o primeiro passo para uma saúde mental de qualidade.
 
Referências Bibliográficas:
Costa, Paulo, J. Os "pitis", os processos de somatização e os desafios na atenção à saúde In Desafios na atenção à saúde mental 2 ed, Maringá,2011.
MÜLLER, Marisa, C; SILVA, Juliana, D.T. Uma integração teórica entre psicossomática, stress e doenças crônicas de pele. In Estudos de Psicologia, Campinas pp. 247-256, 2007.
MCDOUGALL, Joyce. Corpo e Linguagem. Da linguagem do soma às palavras da mente. In Revista Brasileira de Psicanálise: pp. 75-98, vol. 28, 1994.
LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, J.B. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1983.